segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

O dia em que matei minha mãe

kkkknunca gostei de fato de alguma coisa antes de deixar
kkkk(com meia dúzia de pertences)
kkkka casa da minha mãe. nada que eu possa apontar como (tão) terrível, desculpa decepcionar... nada que me tirasse propriamente do sério.
kkkk(na verdade, sim sim, havia uma porção de coisas de que eu tinha asco, que me punham a brigar com cada nervo do meu corpo, tentando afastar a sensação como bom brill na minha coluna vertebral, mas isso aqui é o de menos. simplesmente é muito cedo para começar a mentir).
davamo-nos bem, sempre conversamos sobre tudo, tínhamos uma relação aberta. temos?
kkkk-Então por quê?
sinto desapontar: esta dúvida é destinada a pessoas medianas, a pessoas cuja mediocridade quer sempre as respostas dos porquês, como se elas pudessem existir. é um casal romper e logo surgirem indagações Da Causa.
kkkk-Mas por quê?
na vida não é assim não. por exemplo, a vida sou eu agora, esquálida, deitada na cama,
kkkk- Aonde vamos? [hoje nada vai acontecer]
por que não parava de pensar um só instante? será que alguém conseguia essa façanha? mas e o pensamento, será que um pensamento fútil ainda assim é pensamento? penso então no tempo em que não pensava... ou, sabe-se lá, naquele tempo em que dava importância a inutilidades: havia um tempo em que era preocupante levar um homem para a cama e descobrir que usava cuecas inadequadas, ou que suas meias estavam com elásticos gastos, frouxas nas canelas
kkkk- ah!
manter as unhas sempre feitas, usar calçados limpos, tamancos de couro sem riscos e arranhões, saltos em perfeitas condições. disso dependia a minha autoestima.
kkkk- Hoje nada vai nos acontecer [só estamos aqui onde estamos... ora, é inevitável pra mim, mas me desculpa]
kkkknão sei mais há quanto tempo foi, só sei que nos olhos da minha mãe brilhavam lágrimas que não eram lágrimas. queria ela que eu não me fosse?
kkkk- Tu já tinhas ido há muito...
se sabia que eu não era dali, que as paredes, os móveis, os copos e quadros de mau gosto me sufocavam até a náusea. não sei exatamente quando se deu, o dia, a hora, o segundo exato em que (imagino eu) uma brisa entrou pelos meus ouvidos e anunciou
kkkk- Queres que eu morra?
kkkkhoje, coleciono imagens de morte em minha cabeça, as quais repercutirão pelo telefone. e isto é a vida
kkkk- Hoje não vamos transar
e não é à toa que, de bruços e com o corpo estirado, olho fixo para o aparelho antigo afixado na parede cinza: eu de fato gosto do meu telefone, vi isso em um filme – a protagonista possuía um preto idêntico, com um longo fio que alcançava toda a casa. assim como a mocinha da película, gosto de conversar sentada num canto qualquer da casa, de preferência sobre um piso gelado. mas isso também pertence a outros tempos,
kkkk- Hoje não vamos transar
quando logo em seguida
kkkk(com meia dúzia de pertences)
montei a minha casa, o meu santuário: cada enfeite, cada ângulo calculado, cada efeito da tinta misturada por mim com a intenção de dar a minha nuance, cada almofada... detalhes e mais detalhes.
kkkk- Que horas são?
kkkkque horas seriam? aproximo meu relógio do ouvido e ele, centenário (resgatado sabe-se lá de qual tumba), não emite ruído qualquer, há quanto tempo estaria já parado? quem viria me dizer as horas? a voz de sempre?
kkkk- Tu é que tens de trabalhar amanhã, eu por mim virava a noite a te ouvir falar
kkkka voz de sempre a me atormentar com tantas teorias e blá-blá-blás, é a minha própria voz (ou talvez só o timbre) autoanalizando-me: seria o tédio o responsável pela busca de tantas imagens de dor? ou seria o desejo de desafiar minha tão característica frieza, desestabilizando certos sentimentos e culpas íntimas?
kkkk- Promete que eu vou te ver denovo? [ainda que seja mentira]
testo-me o tempo todo, descortinar meus hematomas íntimos é hoje a mais perfeita forma de catarse, é a vida
kkkk- O silêncio absoluto é o amor
mas e o medo que sinto? ocorre que – e disto tenho uma certeza quase irredutível –, em alguma parte de meu cérebro, em alguma microrrerião, reside um tal ponto mítico, místico e energético capaz de concretizar as minhas fixações mentais: tenho medo, por isso, de matar minha mãe
kkkk- Queres que eu morra, pois?
não que eu queira, não que vá fazê-lo. então por que alguém ligaria, dizendo que minha mãe está morta?
kkkk- A dor maior você sabe: desenterrar a lâmina
kkkkainda não sofro, eu finjo e curto a inquietação aumentando à medida que o tempo passa
kkkk- Que horas são?
a atomosfera periclitante traz um sofrimento de algo que já falta, um sendo não sendo coisa alguma, lágrimas que não são lágrimas
kkkk- Isso nos faz ser mais
kkkkas chamadas de meu telefone
kkkk- Inferno!
agora ecoam dentro da minhaa cabeça, fazem com que as paredes, todo este cubículo de apartamento vibre. fecho meus olhos.... isso é real? não, nem existe mais telefone, joguei-o fora na semana passada, como pude esquecer-me disso?
kkkk- Existimos de fato algum dia?
fecho os olhos e não te vejo mais, não vejo a minha mãe também. o telefone geme agora igual a ti, não atendo, aperto a pálpebra, fico imóvel até quando não me peçam que eu prometa coisa alguma
kkkk- Prometo [e eu podia prometer-te apenas ausências]
kkkkvolto (será?) a consciência? ao menos tudo parou de vibrar, resisti à tentação de atender seja quem for, porque eu não quero mais ver ninguém,
kkkk- Queres que eu morra?
não!
kkkk- Ainda não.
eu não quero meus sentidos perturbados por timbres, sensações, olhares (e os mais tímidos perturbam, levaram-me à sucumbir, afinal eu não queria nada, era só um café, uma caminhada, uma cerveja, um cd ouvido no meu chão gelado), não quero teus toques
kkkk- Hoje não vamos transar
e se tudo isso não passasse de paranóia? por que não deixar com que me salvem disso tudo?
kkkk(porque, é claro, não tenho salvação. toda a minha vida deve ser, com certeza, uma paranóia de alguém, um folhetim intimista escrito por uma barata. e o que esperar de uma barata?)
kkkka grande verdade é que conquistei a solidão. não deve ser à toa afinal que escolhi tal trabalho, sempre dentro de casa escrevendo, escrevendo, escrevendo... ou traduzindo, vez por outra. por isso também não tenho telefone celular, quando vou à rua, faço-o por extrema necessidade, postar qualquer coisa no correio, do outro lado da rua, ir ao calçadão sentir a brisa. quaisquer telefonemas podem esperar.
kkkkentão me entendes? o café (que nunca tomamos, enfim), as caminhadas, os olhares, a minha mão que te tocava sem querer (querendo, é claro), a minha ida à tua casa, isso até pode ser uma desconquista
kkkk- Não foi por mal
kkkkjuro, tenta entender-me: fui criada para ser igual a todo o resto da humanidade, claro, igual aos bem-sucedios, aos bem vestidos, aos honestos e aos sinceros. eu, e o meu tipo biológico (infelizmente) sempre favoreceu, deveria seguir aquele modelo sensual de fêmea em busca do parceiro ideal, isto é, do bom-marido
kkkk(isto é: rapaz de família, extrovertido, respeitador e do tipo que banca uma mulher)
e a família toda, depois de todos os filhos casados e enfilharados, se reuniria aos finais de semana, encharcando-se de cerveja, entupindo-se de carnes gordas e maioneses caseiras. no rádio, qualquer coisa cafona animando.
kkkkque dia foi que passei a odiar minha mãe? podes ajudar-me, quem sabe, nesta questão crucial?
kkkk(ainda não é consenso o fato de odiá-la)
kkkkah, o horror que senti quando descobri o quão vil a minha mãe podia ser
kkkk-Mãe!
nada diferente do resto da humanidade, é claro, um dia a verdade mais profunda das coisas vem à tona.
kkkk- Ai, minha filha, que decepção! Imunda!
sim, ela já me disse,
kkkk- Por que me decepcionas assim, a mim que te criei com todo o meu amor?
kkkk[à minha imagem e semelhança]
mas eu digo que a grande e cabal diferença é que ela já me teve adulta, crescida o bastante para já ter descoberto que as pessoas são imperfeitas, que me tornaria também um ser (à sua imagem e semelhança) ridiculamente sensual e vulnerável durante a adolescência, uma adulta emocionalmente frágil, apta a me render e a me vender por muito pouco,
kkkk- Qual é a surpresa? Quem não sabe disso?
kkkke eu não sabia de absolutamente nada quando a ouvi em situações obscenas, e nem era com o meu pai... isso me causou transtornos, porque eu chamei e minha mãe
kkkk- Mãe!
e ela não veio. como pode ela não me ter ouvido? por que ela me ouviu e não veio?
kkkksuas certezas, segurança, fluidez? ou tudo isso era meu? que idade tinha eu?
kkkk- Mãe, que idade tinha eu?
eu nem conhecia a palavra fluidez... tudo mudou. eu já não queria deitar na cama com ela, sentia nojo de estar sobre os mesmos lençóis onde, na noite anterior, praticara atos tão imorais
kkkk- Hoje não vamos transar
kkkka partir de então, eu não dormia às noites. não sabia mais o que preferia: seu namorado ali com ela, engrossando o coro que não me deixava dormir, ou só eu e ela, o que me deixava de vigília por pura precaução
kkkk- Promete, mãe?
morria de medo de que, na ausência dele, ela fosse deitar com outros quaisquer. comecei a cuidar seus movimentos, a direção para onde olhavam os seus olhos: tudo se movimentava em direção a homens, os lábios mudavam movimentos. uma pergunta só não queria calar: eu teria coragem de surpreendê-la em um flagrante real? de repreendê-la?
kkkk- Queres que eu morra?
kkkktudo um dia esteve na sua ordem normal. aqueles mesmos lençóis foram disputados por mim e meus irmãos, todos queríamos dormir com a mãe na ausência do pai. acaso há algo que se iguale ao cheiro da pele materna? nada poderia ser melhor do que acordar de manhã e imediatamente passar ao outro lado da cama, enfiando a cabeça no travesseiro que fora usado pela mãe a noite inteira. hoje tudo não passa de podridão
kkkk- Nunca te prometi nada
kkkkmas sempre sugeriu! ou acaso não há trocas? um agradinho aqui, um desaforo acolá
kkkk- Eu que te criei, tás com o rei na barriga?
em pleno domingo
kkkk(e como eu odeio o domingo, e a segunda, e a quarta...)
kkkk- Me aceita!
porque eu era diferente, porque eu não sou igual aos outros, porque
kkkk(e por quê, meu deus, eu nunca fiz isto)
sim, eu confesso, eu nunca te disse o quanto já me feriste, por isso
kkkk- Hoje não vamos transar
meu telefone toca. não, tu não vais aceitar, tu vais rir e dizer-me
kkkk- Isso é normal? Hahahahahahahahaha
e não é
kkkk- Acaso és ainda virgem?
kkkk(e todo mundo sabe que não: Hahahahahaha)
por isso mesmo, peço-te a ti e a todo mundo
kkkk- Desculpa, não levem a mal
ouço o toque
kkkk- Triiiiiiiim, triiiiiim
e atendo, pois, à segunda chamada, ao telefone.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

incompletudes

tenho André
encontrei José
amei Pedro
e nunca pude, no entanto,
estar com Ana.
não mais recordo Juarez!
agora estou aqui
por isso não lá
só amanhã, talvez.

se escrevo, não leio
se leio, não vejo
se vejo, não releio.
uma vez que te entendo
não te encontro mais,
só nos perco.

meus porquês?
já se derreteram
como cera de vela acesa.
não há sequer um propósito
será, enfim, por acaso
um descaso do nosso acaso?
um caso a mais?
um amor a menos?

tocos, cadáveres de cigarros
pequenos, retorcidos no meu cinzeiro
[sempre à janela] prateado
descansam demencialmente
porque só são,
nem cogitam o estar
lá, aqui, mais-lá...

juntas as pontas
completam, matematicamente,
dezessete, vinte e cinco.
comigo, contigo, conosco
é diferente:
todos vivemos estando algo
cuja medida é sempre o tempo
que nem é o passado
[porque este já não nos pode pertencer]
nem é o presente
[porque ele de mim foge-me
a cada letra que escrevo]
tampouco é o futuro
[imprevisível ilusão constante].

minhas pontinhas de cigarro
devem desconfiar de que,
talvez à sua soma de vinte,
as despejarei ao lixo, seu fim
[e meu senso estético é o que isso determina
de julgá-las belas
em grande quantidade reunidas,
ou não].
e elas não ligam para isso.

elas não querem a completude.
elas são o que já foi
são dez, doze, oito suspiros
tragados, gozados.
e tudo assim está certo
esta é a ordem.
e elas não ligam.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

lusco-fusco



mais uma dúvida
uma dor desnecessária.
por quê?
doce, chegas como dádiva,
ficas e, doente,
deixa-me, de repente,
sem documento, voltas.
vejo sangue nos teus olhos
escorre meu suor,
soro-amargo-venenoso:
meu corpo todo chora agora.

sangue, lágrimas
suor, saliva...
não sei mais o que é meu,
o que é nosso, aonde foste.
ouço tuas pulsações,
convulsivas a invadirem-me
o corpo pelas têmporas.
te abraço a cintura:
"não vai não, fica".

nunca fica mais fácil
nosso abandono,
ou esquece-te
do demônio que nos une?
o diabo de nossos corações!
venta venta venta
forte, venta cinza.
e meu cinzeiro à janela,
a espreitar a rua.
talvez ele se jogue,
porque tudo agora é lá fora,
é ausência tua.

mas sempre ventou.
onde estávamos
que não percebíamos?
quando, me diz,
minha palavra não te sangrou?
vertemo-nos por completo,
esgotamos os fluidos possíveis.
foram-se até os poros,
que já se negam a existir.

resgatemos nossa dívida
com o além
equilibremos, pois,
o cosmo.
cabelos, unhas,
pelos, dentes
ossos: nós,
como os cadáveres!
mas sempre existirá,
não te esqueças disto,
o odor das flores podres
a nos perfumar
a cada crepúsculo,
a cada lusco-fusco.