para siane
tinha tudo para ser uma noite como outra qualquer, uma reunião de amigos, os mesmos de sempre, ainda que o lugar fosse outro.
de repente ela surgiu na escada, subindo ao segundo andar do restaurante. marcos não sabia o que sentia na hora, ou se foi sentir só depois. não sabia igual... ciúmes? [ela estava acompanhada] ciúmes? [mesmo que continuasse sozinha, ela estava muito melhor do que da última vez, aquela vez que a viu na rua e, querendo evitá-la, se escondeu por trás do negro guarda-chuva] vontade de ter o guarda-chuva denovo? [seu sorriso se desfez num breve gesto de incômodo] prazer? [seu sorriso se desfez...]
a verdade é que ele não guardava expectativa alguma sobre aquela noite, e seu sentimento mais amargo deve ter sido a expectativa surgida, feito uma injeção de adrenalina: a noite a partir dali poderia ser outra. "e se ela viesse sentar comigo?" "e se eu forçasse a situação, fosse até o banheiro e mandasse um torpedo pro celular dela?" "mas o que eu diria?" "tu tá muito bem :)" "oi, eu sou um otário, imbecil, um crápula.... =/"
em vez de fazer qualquer coisa, marcos voltou-se para si mesmo. cabelo sem corte, usava a calça que sobrevivera limpa aos tempos chuvosos [antes que tivesse se deixado ver no dia do guarda-chuva, estava mais bem vestido], larga e com a barra por fazer. a jaqueta e a cara eram as mesmas de sempre.
voltou-se para ela, analisando-a: usava roupas provavelmente novas, se arrumava para alguém que não era ele. se arrumava para ela mesma? para quem a acompanhava? cabelo mais curto, unhas vermelhas, olhos suavemente pintados. usava salto alto. e marcos momentaneamente se sentiu feliz por vê-la assim. mas só momentaneamente.
ele foi embora em seguida, não sem antes passar na mesa ao lado. era sua chance de, ao pé de seu ouvido, lançar algo criativo [ou sincero], ganhar a noite, carregá-la consigo: "eu já vou indo... será que..." "olha, sei que eu tô horrível..." não: "sei que pareço um motoboy, mas tu gosta [sempre gostou] de andar de moto..." "vem comigo, vamos conversar, eu deitado e tu deitada sobre o meu peito: tô com saudade".
não, ele não teve capacidade. no máximo, parou e, de longe, deu um tchauzinho, permitindo que ela mesma constatasse: "nossa, ele parece um motoboy".
ela também não iria com ele, porque esta não é uma história feliz [para ele].
pra ela sim, porque tudo aconteceu como ele prevera, em seu primeiro pensamento quando a viu: ela acabaria a noite nos braços de outro.
Leia outro conto testemunhal, criado a partir da mesma situação descrita neste: Continho em Si Maior (por Edna)