domingo, 21 de fevereiro de 2010

irritação


eu deveria sentir-me grata por teres lembrado de mim, até mesmo porque isso é completamente verossímil, é o que alguém o tempo todo só e suada, dentro de um apartamento quente, deveria sentir: gratidão.
acordei só e suada, a despeito dos dois ventiladores em cima de mim, no momento da tua mensagem. não, não me causaste mal algum, porque, além de ser cedo pros meus horários habituais que tu bem conheces, voltei a dormir imediatamente. e dormi pensando bem no que li. tudo - inclusive nossa comunicação textual - pode ter no mínimo duas interpretações. aprendi contigo a ficar com a pior delas. mas, ao contrário de ti, não quero explicações, não faço questão de que me convenças do contrário: tudo o que houve - e tudo que poderia haver - está morto, em algum limbo distante, indiferente, como qualquer coisa que já foi, que já fui.
pergunto-me só se, em algum outro momento, me mostraria tão efusiva, ou tanto quanto gostarias... no fundo, passa-se o tempo, as tuas expectativas em relação a mim são sempre quase as mesmas: eu preciso reagir de uma determinada forma. é, talvez eu devesse ter achado maravilhoso ser lembrada... devia, em vez de achar que tu não tens atitude alguma (e por que agora, mesmo quando se trata de uma coisa simplíssima, terias?), ficar feliz por tu estares curtindo um pouco das coisas que tanto me fazem bem. feliz por estares te abrindo a um universo que eu tanto queria te mostrar, enquanto tu tinhas as tuas preferências.
a propósito, acabei de ver um filme, no qual o "tempo" tem uma relevância temática. as coisas têm seu tempo pra acontecerem, as pessoas também têm.
só não quero estragar aquilo tudo que ficou lá no limbo.
não quero deixar que toda a minha irritação se sobreponha às coisas incríveis que sinto por ti.
não quero irritações provenientes de expectativas de quem quer que seja. não me importo mais que te  frustres comigo, afinal sempre fui mais ou menos, mais menos.
de novo: eu devia me sentir feliz. desculpa.
quero que tu sigas em frente, não me quero no teu horizonte, nem na tua imaginação, por mais que lá, eu sei, eu seja muito mais bela e mais perfeita do que jamais poderei ser.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

boto as pernas pra rua
sento na janela aberta
me ponho
fora

salto
feito gato
noturno, num pulo
sem olhar pra trás 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

inacabado

(para Luan)

deitei no teu colo
caí de maduro
tateei o escuro
do abuso d'um desejo
calado, seguro

murmúrio mudo
meu suspiro 
silabado... 
era só teu nome
curto, alveolado

dedo a dedo
imprimi
meu medo
meu muro,
o rumo
calculado
do acaso
onde me pus

no teu cabelo
escuro
que compus
feito ondas ritmadas
um acordeon, um sax

no abandono
perdido
do teu braço
roça assim
de leve
pulsado

meu adeus
deixa,
digital,
gravado:

um mundo
imaginado
não vivido
inacabado

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

depositei qualquer coisa
de meu
na estrada
incalculada,
desejo de marchar
marchar e perder
qualquer discurso

perder de vista,
pôr em desuso
o compromisso
que assumi com
um mundo
de não-eus.

aqui não sou nada
[e quero ser nada]
e o aqui é o quando,
é o onde
onde sempre me quero:

cada brecha é meu lugar
cada espaço um desvio novo
um desvão de mim mesma
entre pés, pernas, panturrilhas
[genitálias]
que se tocam nuas,
amantes dos espaços vazios
efêmeros, belos!

quero asas lisas, axilas
nos meus pés...
aqui no meu aqui
não há correspondência
coerência
família, pátria, amores
problemas e dilemas.

sou o improvável
do agora
diante dos meus olhos.
sou e não sou em cada poro
quando quero
e quero gravitar
nos motores mais
e mais bestiais
do jamais.

o jazz soa
na boate em Curitiba
[parto, não parto?],
balbucio o baixo
grave, leve...
escrevo porque sou o agora,
escrevo e não perco
meus olhos em pontos
distantes, idos
perdidos no passado.

e já não sou mais eu:
comanda a toada sutil
dos meus gestos que
traçam esta escrita imóvel,
meu pulsar insano
vindo do piano
da voz...

prefiro deixar
a emoção do palco
comandar minha pulsação:

ser nada, o som sentido
nu
nas espaldas pautadas,
narinas dilatadas,
sussurros suados 
ao ouvido...
escorre comoção
por todo o meu corpo
acre, cru.