quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O quarto já era sombra, totalmente povoado pelos reflexos simultâneos dos espelhos ali. Onde estarei? Que tão estranha sensação de amante que se prepara para aquele que nunca vem? Os lençóis perfumados: são odores de flores podres, que jazem juntas ao corpo de uma noiva morta. Noiva não, prostituta assassinada quando tinha o semblante leitoso e doce. [Nuas, mortas ou dormindo, não tem diferença].

Onde estavam os anéis das pontas daquele cabelo castanho-claro? Era o mesmo cabelo que evoluíra ao radical amarelo e depois ao preto, de um liso ofensivamente simétrico, quando nada era maior que as unhas grandes, os peitos fartos, a pele lisa? Lixa-se, com pressa, as pontas de unhas curtas [e cada vez mais curtas unhas] que engancham nas roupas de lã, sensação enervante que é preciso, antes de qualquer outra coisa, de qualquer outro pensamento, evitar: a situação da unha, presa às tramas de algodão, pouco a pouco a se partir pelos cantos. Às vezes seria mil vezes desejável acordar uma barata cascuda, porque isso é literatura [não tem explicação] [não carece de explicado] [ninguém quer explicação]. E, quando todos os espelhos refletem a carne mais humana [da pele mais branca] do que nunca, e a consciência grita: ba-ra-ta?

Barata não tem unha e provavelmente não deve ter coração pulsando; barata não dá importância a cravos e tampouco a rosas; barata não chora por não ter consciência; barata não tem cabelos para lavar; barata não sabe o que é um olhar, não diferencia o verde do azul e nem sentir cheiro sente.

...

1 pitacos:

boneca cega disse...

Brilhante!!! confesso que estou com inveja de todo este trecho

"Os lençóis perfumados: são odores de flores podres, que jazem juntas ao corpo de uma noiva morta. Noiva não, prostituta assassinada quando tinha o semblante leitoso e doce. [Nuas, mortas ou dormindo, não tem diferença]."

Queria que EU tivesse escrito rrrsrsr