sábado, 31 de outubro de 2009

dos balanços

Na praça
a criança
no balanço
voa.

Voa acima
Voa abaixo
de mim.

O abraço
das pernas
que laçam
a sombra

que sobe
que desce
em mim.

Meu braço
embala
o balanço
o abraço
que enlaça
a criança
que sonha
que ri.

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Conhecendo o céu,
sou incapaz de sentir a terra.

Caí do balanço
E sinto o chão: duro
doendo em minha cabeça.
Mas eu não vejo a terra.

Não.
O balanço caiu de mim
Está no chão impuro,
impróprio pra ele:
desconhece o papel
de levar quem queira
como eu
ao céu.

Balanço não pensa
Por isso passo pela praça
e peço-lhe:
"Leva-me daqui!
Consegue um traumatismo
mas não pra ti".

E dele tombam pessoas
que nele sentam - como eu -
predispostas à queda
sutil? veloz?
quando julgam abraçar
com pernas,
tocar o céu
ou o único que resta:
o ar.

Caio. E preciso de mais e mais
um cleck arrebentando
a corda
um estrondo partindo o assento
no chão da praça.

Mas o céu continua em mim.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

o silêncio, a ausência: o branco.

dizem que branco não é cor, é a ausência.
mas eu enxergo o branco...
as nuvens existem também, porque as vejo, as toco, as beijo.

[a ausência pode significar mais do que a presença]

meu sabonete é branco;
minhas paredes
meus globos oculares
meus poros
cada-vez-mais-brancos.

[não vês o branco presente no céu cinza - que eu vejo -
no céu onde voam aviões brancos, levando e trazendo as gentes que se desencontram
que se ausentam sempre de alguém
as gentes brancas]

meus cabelos:
um dia brancos
[quando?]
Das Dores: branca
[repintada muito recentemente]
meus sorrisos metálico-brancos.
e até o meu cigarro é branco.

[o branco tá na folha que repousa na minha escrivaninha,
me olhando - à espera de tinta que a preencha?
o branco tá em tudo. é mais econômico fazer as coisas em branco?
ou poque sem o branco nada seria nada? ou ele existe para que possa,
ele sozinho,
ser o nada sem deixar que nada além dele seja o nada?]

sim, a fumaça do meu cigarro - que alguns veem azul -
eu a vejo branca. não: azul e branca.
o céu azul, Das Dores branca.
a agonia do moribundo enxerga branco.
os cegos passaram a enxergar em branco.

não as fotos que eu
as prefiro branco e preta
à preto e branca.
branta - prebro - prebra - branto
o que já rima: pranto
não: alento, tormento.
eu aguento o pranto
[com meu silêncio preto]
porque sou hoje toda branca.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

esta é a história de uma história que queria nascer
um pequenina história, creio eu
- És pequena?
pergunto eu a ela, porque hoje só estou dada a umas poucas linhas. e, ainda assim, pensando se quero contá-la
- Sou como uma menina de tranças muito compridas, mas magricela. Ninguém me alimenta, ninguém me dá ouvidos... Acho que é por isso que morri. Bati à porta de muita gente que quisesse me contar, atravessei anos, séculos. Sou uma velha varizenta e carcomida na minha cadeira de balanço, mas ainda assim com as minhas tranças, que, de tão velhas e pesadas e tão cheias de fios, não se balançam comigo. Por isso fico olhando a cortina de tule rosa, essa sim voa ao mínimo vento...
- Estou sem paciência, minha filha, diz logo teu conteúdo, aproveita que, em sonho, captei a tua vontade, quero te contar... só não tenho a noite inteira!
- Não tenho mais nada a dizer-me. Foi o tempo que carcomeu o que tinha a dizer uma velha história? Histórias também ficam esclerosadas? Logo eu, que me achava intemporal! Verdadeiramente: o que podem histórias contra a vida? As vidas dos outros, tão cheias, tão vazias, tão vadias... E é assim que, sem mais o que dizer, invado vidas. Hoje sou esta velha contemplativa; ontem fui tu, uma jovem em busca de transformações das dores e angústias em umas poucas linhas. Diz-me: o que serei amanhã? Digo-te: amanhã, não sejas tu, venta-te!

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

só lida


- Teresa, não vai....
- Vou.
e eu fui. e eu voltei.
pra onde?

era uma tarde chuvosa, quando embarquei; ensolarada, agradável, quando cheguei de volta. um sinal? não, é só o clima, me fazendo querer sumir. braços cabeça pernas alma: nus. relógios quadros livros camas porta-retratos malas pingentes postais pulseiras pinguins lápis e rímel e o próprio sol a derreter-se. e eu dura. a menos que chorasse cera. a rua úmida e eu quase caindo. cera pelo chão asfáltico, como o falso barro
- Vai cair, Teresa.
eu nunca soube olhar pro chão e identificar barro sólido de cremoso. mas não caí, porque eu tava seca.
- Fome? Um café ao menos?
era eu dialogando com meu cérebro de cera, pensando que algo poderia preencher meu estômago. talvez abrisse o canal estomacal, e então eu conseguiria chorar cristais de vela, vela sete dias, vela aromática. minhas lágrimas teriam alguma utilidade, iluminariam a escuridão de alguém (irônico isso, porque já disse do meu medo do escuro), orientariam preces a algum defunto em cemitério, seriam oferendas em rituais de batuque. ou de enfeite em alguma casa, o mais provável. este enfeite, tal qual o sofrimento alheio, a causar "oh, que lindo!", até que se esqueça a tal velinha acesa e o incêndio se faça: con-ta-mi-na-ção enfizema morte por carbonização morte cerebral vegetal.
era tão simples admitir
e gritei e todos olharam e meus olhos de cera cintilaram mais e agarrei com mais força entre meus dedos a alça da valise
- Teresa, fica
- Teresa, vai embora
e já não sei mais o que me foi gritado... eu fiquei, eu fui, eu voltei, eu parti, eu segui em frente? por quê?
- ALGUÉM TÁ SENTINDO ESSE CHEIRO SÓLIDO? SÃO ROSAS QUE JÁ MORRERAM!
- Teresa, acorda! Não delira! Segue, o taxista tá esperando.

mas a cera endureceu. fiquei só, presa no asfalto.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

para mim mesma, a especialista em mortes....


... menos na minha.

vaguei pela casa, pelo silêncio emparedado... mais uma planta que morre, ainda que eu me esforce por não comê-la. e não só não a como, mas rego, deixo-a livre para respirar sem mim, ponho-a no parapeito, cuido para que o sol não a fira! tudo inutilidade: por que eu não me convenço de que eu não posso criar plantas? será que meu ar as contamina? ou sentem-se usadas [meros enfeites a servir-me de "oh! como são lindas", preenchimento de um espaço no aparador empoeirado, no cantinho da sala onde não se poria nada que coubesse, a não ser uma planta]? e adiantaria eu agora levantar e, com a melhor voz que a esta hora posso ter, dizer que não é nada disso?
não, definitivamente vegetais não compreendem palavras, não diferenciam timbres, tons, escalas... não veem lágrimas e não dão bola pro azul, tão lindo na parede!
e eu a tentar ressuscitá-las. elas, insensíveis, inconstantes, ingratas!...
eu devia queimar todos os meus livros, matar-nos na fumaça, na poeira, na fuligem, no pó, no odor do fogo, no calor de horas como estas. estilhaçá-la pela janela: "vai meu bem, vive no azul do céu, fura o asfalto, cria raízes... deus te crie, vai pro inferno que eu vou ficar". eu sempre fico.
depois [e eu sobreviveria ao fogo, porque sempre é assim: está além de meu poder de decisão. porque o fogo, sim, é meu amigo. porque quedas não me matam, isso quando caio], estantes feitas de tijolos e tábuas, livros de botânica. eu seria uma perita em botânica, digna e sem plantas, pois elas só são lindas no papel, na minha cabeça, naquilo que insisto em enxergar [porque sou idiota. devo ser eu o vegetal, e elas que me têm].
mas que nunca é.
de verdade, nada é.
eu não sou.