quarta-feira, 26 de maio de 2010

Naufragar é preciso.

de luzes
acesas
sou quem?

farol
perdido
em molhes
brutos,
pedras frias
demais
pr'aportar.

navios
desviam
i n t e r m i t e n t e s
feito a luz
fraca, fugidia
qu'insiste
nas ondas
naufragar.

sou água dura,
pés molhados, ataduras
de desejos tortos...
traçado reto
i n c o m p l e t o
onda incerta que
na praia
se fura,
se quebra
e se vai.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

DIÁRIO DE DÓRIS REGINA NOGUEIRA

VII

(Se eu fosse uma barata, andaria confortavelmente na minha casa...)
"Mas onde foi que os guardei???"... Infelicidade a minha ter perdido alguns dos meus escritos (ou teriam as baratas, em meio ao caos total, carregado-os?). Sento-me no azulejo frio, repenso: "Onde os guardaria, se eu fosse eu?". Não que haja qualquer coisa lá. Não que lá esteja contida a minha obra prima, ou que me julgue diferente de mim mesma ao não encontrar algo que guardei, ou abandonei em algum canto provável da casa.
Não sei, algo se perde, como pertences importantes deixados por engano entre sacolas plásticas na lixeira do condomínio (ato recorrente, diga-se de passagem). Como cartas de amor de infância, perdidas na vergonha de haverem sido. Como comprovantes de pagamento, jogados fora pela descrença em sua necessidade futura. Logo eu, que não sou de deitar fora as coisas: mas as perco por distração de tê-las. Até minhas ideias, perco-as por havê-las parido em palavras.
Fico em dúvida diante das opções de agora. Remoer outras coisas mais perdidas. Desviar meu pensamento em direção ao sorriso do porta-retrato. Acompanhar os pequeninos passos rápidos da barata recém saída do quarto...

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VIII

Sem que eu percebesse, meu corpo colava-se à parede, e as pálpebras do inseto piscavam-se em minha direção (seria uma miragem, ou algo comum aquele tipo de linguagem?); não sei mais no que pensava, se me deixava guiar por meio às frestas, se realmente desejava desobrir todo um mundo novo medido em milímetros. Eu também me movia a passos apressados, meu corpo todo pulsava e a sensação era a de que, se parasse, corria risco de morte.
O tamanho das coisas oprimia-me, inclusive a barata, agora maior do que eu... e sua linguagem de guia (eu já a entendia) docemente me fitava e me dizia: "Por que te oprimimos, se o teu mundo agora se alargou?". Pensei em me pôr novamente no chão, perdendo a chance de passear pelo teto, por todas as superfices de concreto, de metal, de vidro... E se eu pudesse voar? Como arriscar? Amedrontei-me só de pensar em descobrir minha nova anatomia. Meus mais novos instintos impeliam-me a voar até o açúcar, ainda estilhaçado entre vidros no chão da cozinha. Lembrei que só devia morder morangos. Mas onde havia de encontrá-los?
Deparei-me repentinamente com teu imenso rosto, olhos, nariz, sobrancelhas: instigou-me tua boca alargada.. Meus membros acariciaram-te por inteiro e, vagarosamente, senti que poderia parar: andei sobre os teus lábios suspensos. Se pudesse romper o vidro que ainda te separava de mim, entraria pelos teus olhos e, só lá dentro, voaria. Aconcheguei-me no teu ombro, adormeci. Foi então que encontrei o que buscava, no verso do retrato, no revés do teu rosto, algo que tínhamos anotado:

o preço
da espera
parece
ceder
ao silêncio,
à solidão:
boa ao corpo.
à alma,
não.

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domingo, 2 de maio de 2010

DIÁRIO DE DÓRIS REGINA NOGUEIRA

VI

... El tiempo pasó
fuimos ella y yo
dos en la ciudad.
Pasó, pasó
pasó nuestro cuarto de hora
pasó, pasó
pero aún sabíamos reír...

Tocava a canção de Fito e era domingo. Deixei-me embalar, dancei dentro de casa, enquanto o dia desperdiçava sua luz, de manhã. Um copo de chá, ofertando a meu estômago regurgitante e a tanta luz que se sobrepunha às venezianas, às cortinas, às portas trancadas, às paredes espessas... tomei meus longos goles, depressa, até verificar seu fim.
Sentei no chão, decidida, abriria aquele meu velho baú de vime, espalharia pelo chão tantos papéis, cartas, postais, embalagens que guardei. Ali, outrora fui jogando tudo, dízimos de lembranças de qualquer parte, de qualquer espécie. E achei que era a hora de separá-las, uma por uma. Iria separá-las em envelopes, catalogá-las. Não sei se disse a alguém, ou exatamente a quem falei, dessa minha mania de separação. É como se precisasse de tudo muito bem arrumado, e assim poderia compreender tudo, passado o primeiro impulso, aqueles momentos de intensidade que tornam as coisas nebulosas. Era enfim chegada a hora de deitar fora o que já não fazia mais sentido (e tudo que tava ali eram recortes paralelos de momentos, pequenos momentos em que fui feliz!).
Não concluí a tarefa... sou covarde, não tive como pensar sobre o que eu não entendia, classificar sem critérios e parâmetros. Não os encontro em parte alguma, em pessoa alguma. E tudo faz e não faz sentido, tudo ainda se distorce, se evapora ao acender do meu cigarro. Sinto como se estivesse a decifrar meus sonhos, como aquele em que estava queimando em praça pública. Eu sorria para alguém enquanto as chamas me invadiam os seios, queimavam os meus cabelos, e eu refletia labaredas pelos olhos e dentes, para que a pessoa, atrás de um chafariz, me enxergasse. Meus dentes não se desfizeram, meus olhos sobreviveram marcados sobre a rocha que por séculos ficou ali parada, servindo de encosto para sacolas, de banco a quem quisesse descansar, ou a quem esperava um amor que se atrasa, ou, ainda ,espera a solução de um problema, a dissolução de uma dúvida atroz. Sobrevivi como uma mancha perolada na pedra.
Sinto-me a decifrar minha vida como quem se esforça para lembrar de um sonho bom. Sinto-me amputada de razão, julgamento, sinto que perco algum detalhe importante, ou algo banal. Acho que tudo o que sou é memória e lembrança, e talvez esteja certo quem disse que o essecial é invisível aos olhos. Mas parece que sempre me escapa o essencial, mesmo com tantas relíquias que não me canso de mirar, carícias em minhas retinas (onde vou parar?!!!)...  E veja só o que encontrei, aquele bilhete daquela despedida:

Todo lo que vi está demás
Las luces siempre encienden en el alma
Y cuando me pierdo en la ciudad
Vos ya sabes comprender
Que es solo un rato no más
Tendría que llorar
O salir a matar
Te vi te vi te vi
Yo no buscaba a nadie y te vi
Te vi fumabas unos chinos en madrid
Hay cosas que te ayudan a vivir
No hacias otra cosa que escribir
Yo simplemente te vi
Me fui
Me voy de ves en cuando
A algun lugar
Ya se no te hace gracia este país
Tenias un vestido y un amor
Yo simplemente te vi
Só pude fechar tudo. Era Fito, uma feliz coincidência, talvez. Levantei-me e segui com todo o meu corpo os embalos de uma sinfonia que só eu ouço, dançando sobre todas as lembranças espalhadas pelo chão do apartamento, entre fumaças e raios que escapavam dos buracos que já nem me preocupava em tapar.

sábado, 1 de maio de 2010

Distensão


Olha só quem está por aqui. Imagens, cordas que procuram dedos afinados que reconstruam aquelas atmosferas que repetidamente dividimos. Não importa se tu não te lembrares d’alguma parte, eu escrevo sem nenhum problema, quero aumentar, procuro intensificar os mais intensos versos que reparti contigo. Confesso que essa tarefa me soa pretensiosa – levando em conta que ao aumentar sentimentos, esses tendam parecer um tanto quanto exagerados – enquanto eu e tu sabemos que isso é dispensável. Talvez alguma magia me assombre ou me encante ao lembrar dos teus olhos ou do meu peito palpitante. Ou alguma sombra descubra aquele medo – te falei, sou covarde – cinza. Apenas cinza. Nem branco nem preto, nem luz nem breu, nem sonho nem realidade. Me fala...que cor tu vês ao lembrar do nosso verão? Sinto tudo torto. Sinto-nos na distorção da fumaça do meu cigarro, encaracolada, cinzazulada. Prosa inacabada, cinzeiro vazio, troncos e galhos e folhas secas daquele mesmo jardim de antes, onde esquecemos quaisquer partes nossas.... Onde, fria, sento e componho agora.

(Mas tu dedilhas uma coisa qualquer que ecoa em cada canto do meu corpo.)

De meus dedos escorrem versos cinza – pouco numa melodia tão simples e bela e pura. Não me peças que relaxe: repercutem descompassademente corpos todos digitais, nós numa piscina de bolinhas multicoloridas, brincando sem culpas vazios escrúpulos... Não posso mais brincar sozinha. A vida me arranca tua companhia, e me faz querer-te mais. Cores não me satisfazem. Veja, pequena, minhas inteções não passam de utopias que se encostam no teu ombro. Tua respirada profunda nas minhas costas, sem cobertores, me provocam.

(Querer esconder-me em ti.)

 Em cada poro cinza, em cada verso preto ou branco, e em todos os pelos que iriçam em ti quando te voltas pro meu rosto. As cordas ficaram opacas - sem som - e não posso mais rememorar. Onde gravaste teu rosto roxoesverdeado pra mim? Me olhavas por espelhos maiores que meus olhos pudessem refletir. Desculpa, preciso da tua mão. A melodia se contenta, se incorpa, e finalmente estabelece-nos plenas. Tornamo-nos observadoras das atmosferas que sem cor nos rasgam e nos mantêm o calor nas mãos.

(em conjunto com sucedeuassim)