quinta-feira, 23 de julho de 2009

“A única coisa que lamento na vida é que não sou outra pessoa qualquer” (Woody Allen)

Não vim aqui hoje pra contar uma história. Nem sei, na verdade, se sou capaz de fazê-lo... Se as minhas tentativas servem, então digamos que, na maioria das vezes, é isso que venho fazendo aqui. De forma hermética, eu sei. Mas agora estou sendo sincera, a protagonista sou eu.
Na última madrugada, tentando encontrar o sono, descobri meu grande defeito. Um click? Uma epifania? É que eu passo o tempo todo pensando, avaliando, discorrendo, e ontem não foi exceção. Lado bom: não precisei chegar ao ponto de gastar com psicólogo. Lado crucial: terei coragem pra mudar?
“Não abro mão de mim mesma”, sempre disse. “Quantas vezes terei de morrer e renascer das cinzas?”, choramingo! Será que algum dia, de fato, decretei a minha morte?
Não vou mencionar a minha grande descoberta. Sinceramente, não ganhei nada com ela, além da chance de mudar. E esta chance, por si só, já é o meu carrasco: conviverei com a eterna frustração, caso eu não mude... Declará-la aqui seria assumir compromissos com quem, seja lá quem for, ler estas linhas. E eu só posso me comprometer comigo mesma. Antes que eu quisesse, já me comprometi, já assinei algum contrato de cláusulas obscuras em letras transparentes: padecerás eternamente com a tua consciência, porque estás sozinha no mundo, esta é a Verdade! Tua voz será sempre muda; tuas palavras, opacas a todo o resto. Tu e a ti mesma: isso é tudo que terás na vida.
O mais importante da descoberta é o seguinte (e alguém por favor se pronuncie, se puder me ajudar, mesmo sem saber do meu grande defeito): como decretar a minha própria morte sem abrir mão de mim mesma? Eu sou isso que descobri, mesmo sentindo um nojo profundo. Ser eu mesma extrapola a minha própria vontade de sê-lo.
Desconfio de que esta descoberta sempre esteve dentro de mim. Se agora tudo parece tão evidente, por que fiz questão de não dar importância? Será que é porque eu “não abro mão de mim mesma”?
Já que tudo é incompreensão, as palavras são opacas: não quero que ninguém mais me conheça. Mato-me. Daqui em diante: finjo-me, início da mudança.
Um dia eu mudo de vez: que é o não-revelar mais nada.

sábado, 11 de julho de 2009

A Coisa Insignificante

Maria Alice sentou-se na pequena mesa do Café Suprème e, enquanto esperava que a agência bancária do outro lado da rua abrisse, pediu um expresso duplo. "Poderia pensar na vida", pensou ela, "mas não tenho nada de interessante pra pensar". Abriu a pasta turma 32 e pôs-se a corrigir provas. Sabe como é, sempre se ganha um tempo, afinal esperar é o inferno. Apoiou fortemente os óculos sobre o nariz grosso, seus grossos dedos de solteirona sem anéis seguraram então com autoridade a caneta bic vermelha. Antes, ainda, sorveu um longo gole de café.

As moléculas orgânicas são substâncias químicas que...

Era interessante como os galhos das árvores se balançavam ao sopro daquele vento outonal. A árvore era um objeto de todo interessante: de que espécie seria? com aquele tronco marrom que não era marrom, talvez um cinza de árvore morta... cinza não, porque marrom e cinza evidentemente não têm nada a ver. Bege, isso, bege escuro. As folhas pequenas, verde-opaco. Haveria frutos? Na certa, seriam pequenos, delicados, feito filhotes prematuros de cão, num rosa desbotado, quase morto, rosa-antigo apagado com a borracha.

... que contêm na sua estrutura carbono e hidrogênio, e muitas vezes com oxigênio, nitrogênio...

Maria Alice sentiu ternura por aquela árvore, tão insignificante no meio da avenida. Não era esbelta, alta, pomposa, viva, luminosa... alguém mais haveria de sentar àquela mesa, pondo-se a reparar naquilo que não oferece qualquer possibilidade de catástrofes, ofuscamentos? Algo que fosse tão belo que um motorista, ao examinar o esplendor da refração dos raios solares nas suas flores e seus verdes vivos, batesse o carro ou atropelasse um pedestre. Maria Alice sequer pensava nas flores que primaveris desabrochariam daqueles galhos. Angustiou-se por ainda não ter podido usar sua caneta, que embora simples, representava o maior instrumento de poder de que dispunha nas últimas décadas. Para atrapalhar, aquela árvore. Aquela árvore ali, parada. Sorveu o último gole da taça, pensando que pensar sobre árvores era uma saída digna: melhor que a sua vida, melhor que corrigir provas sem erros.

... enxofre, fósforo, boro, halogênios e outros.

9:30. Quero outro café. E se eu pedisse uma fatia de torta? [em voz grave] Moça, eu quero um pedaço de alguma torta com os frutos daquela árvore ali... eu não sei qual é sua espécie, mas tu não vê os frutos, não me diz tu que frutos seriam aqueles? E que sabor, não sei, tu acha que eles têm?... pela cor, ácido, ácido... pode ser uma torta de morango. Tem aí? E mais um expresso duplo, por favor.

Maria Alice não pediu. Ela nunca pedia nada. Pensou - e pensou além: certo que estaria louca, porque a árvore não tinha frutos. Porque ela não poderia jamais pedir qualquer torta, porque diabéticos não pedem torta; eles comem, no máximo, morangos! Porque sentia suas banhas caírem pelo cós das calças; há tempos tinha que fazer uma dieta: era a realidade mais evidente. Olhou para a árvore: "tão bonita, tão pequena". Mas não desconfie jamais do poder de uma coisa insignificante: a catástrofe estava feita! O esplendor é sempre o mais raro. Quantas pessoas realmente especiais a gente conhece ao longo de uma vida? Quantos dias especiais contém a vida de alguém? Quantos gênios existem na face da Terra? Quem é realmente bonito o tempo todo? Tudo exceção! E nem por isso as desgraças deixam de acontecer.

Aquele dia era comum na vida de Maria Alice. Era comum estar sempre esperando por algo. Comum mesmo era desde pequena estar privada dos doces, ter dores nas articulações grossas, banhas que sempre extrapolavam as suas roupas. Não sei se é bem por isto, e ninguém nunca sabe ao certo [nem Maria Alice saberia], o fato é que ela saiu correndo com a caneta e sua pasta, atravessou a avenida e trepou na árvore: dali continuou a corrigir as suas provas, porque aquela árvore era ela.

Para os químicos antigos, as substâncias orgânicas eram provenientes de fontes animais ou vegetais...

quinta-feira, 9 de julho de 2009

sem-açúcar, sem-afeto.

não me peça palavras de quem se aliviou:
eu só sei fingir o gozo
as palavras que te dei, que te dou
simulam o que eu sendo não sou.

terça-feira, 7 de julho de 2009

sem-palavras.


sexta-feira, 3 de julho de 2009

eu só quero uma página em branco.

Vamos falar a verdade: isto aqui não é crônica coisa nenhuma. Isto é apenas. Não entra em gênero. Gêneros não me interessam mais. Interessa-me o mistério. Preciso ter um ritual para o mistério? Acho que sim. Para me prender à matemática das coisas. No entanto, já estou de algum modo presa à terra: sou uma filha da natureza: quero pegar, sentir, tocar, ser. E tudo isso já faz parte de um todo, de um mistério. Sou uma só. Antes havia uma diferença entre mim e escrever (ou não havia? não sei). Agora mais não. Sou um ser. E deixo que você seja. Isso lhe assusta? Creio que sim. Mas vale a pena. Mesmo que doa. Dói só no começo.

Clarice Lispector (2004:157)