segunda-feira, 28 de setembro de 2009

o motoboy

para siane

tinha tudo para ser uma noite como outra qualquer, uma reunião de amigos, os mesmos de sempre, ainda que o lugar fosse outro.
de repente ela surgiu na escada, subindo ao segundo andar do restaurante. marcos não sabia o que sentia na hora, ou se foi sentir só depois. não sabia igual... ciúmes? [ela estava acompanhada] ciúmes? [mesmo que continuasse sozinha, ela estava muito melhor do que da última vez, aquela vez que a viu na rua e, querendo evitá-la, se escondeu por trás do negro guarda-chuva] vontade de ter o guarda-chuva denovo? [seu sorriso se desfez num breve gesto de incômodo] prazer? [seu sorriso se desfez...]
a verdade é que ele não guardava expectativa alguma sobre aquela noite, e seu sentimento mais amargo deve ter sido a expectativa surgida, feito uma injeção de adrenalina: a noite a partir dali poderia ser outra. "e se ela viesse sentar comigo?" "e se eu forçasse a situação, fosse até o banheiro e mandasse um torpedo pro celular dela?" "mas o que eu diria?" "tu tá muito bem :)" "oi, eu sou um otário, imbecil, um crápula.... =/"
em vez de fazer qualquer coisa, marcos voltou-se para si mesmo. cabelo sem corte, usava a calça que sobrevivera limpa aos tempos chuvosos [antes que tivesse se deixado ver no dia do guarda-chuva, estava mais bem vestido], larga e com a barra por fazer. a jaqueta e a cara eram as mesmas de sempre.
voltou-se para ela, analisando-a: usava roupas provavelmente novas, se arrumava para alguém que não era ele. se arrumava para ela mesma? para quem a acompanhava? cabelo mais curto, unhas vermelhas, olhos suavemente pintados. usava salto alto. e marcos momentaneamente se sentiu feliz por vê-la assim. mas só momentaneamente.
ele foi embora em seguida, não sem antes passar na mesa ao lado. era sua chance de, ao pé de seu ouvido, lançar algo criativo [ou sincero], ganhar a noite, carregá-la consigo: "eu já vou indo... será que..." "olha, sei que eu tô horrível..." não: "sei que pareço um motoboy, mas tu gosta [sempre gostou] de andar de moto..." "vem comigo, vamos conversar, eu deitado e tu deitada sobre o meu peito: tô com saudade".
não, ele não teve capacidade. no máximo, parou e, de longe, deu um tchauzinho, permitindo que ela mesma constatasse: "nossa, ele parece um motoboy".
ela também não iria com ele, porque esta não é uma história feliz [para ele].
pra ela sim, porque tudo aconteceu como ele prevera, em seu primeiro pensamento quando a viu: ela acabaria a noite nos braços de outro.

Leia outro conto testemunhal, criado a partir da mesma situação descrita neste: Continho em Si Maior (por Edna)

sábado, 12 de setembro de 2009

fragmentos de uma tarde na free way.

ao contrário do que pode sugerir o poema no post logo abaixo, eu estou bem. bem mesmo.
só queria ter um pouquinho mais de tempo pra escrever, sinto falta disso, de organizar minhas invenções, telegrafar certos pensamentos que vêm surgindo... ou arquitetar mais detidamente palavras que pretendo fazer literárias. acho que a solução vai ser voltar a anotar em caderninhos e pedaços de folhas, compondo nos lugares mais inusitados. às vezes penso que seria o ideal uma máquina que gravasse pensamentos.
hoje, por exemplo, estava no unesul, rumo a osório, pensando.... pensando!
[e me sentindo culpada por não estar lendo. mas daí me autojustifiquei: se eu não aproveitar este ônibus confortável pra pensar nas coisas, o que vai ser?]
e o pior é que eram só coisas boas. tudo girando em torno de uma ideia que, de tão simples, de tão lugar-comum, fica difícil de explicar sem parecer uma ridícula: as coisas acontecem quando têm de acontecer. o famoso "cada coisa tem seu tempo". e como explicar isso?
um dia, surge o instante-já: eu não sabia ler poesia. mesmo assim, tenho uma caixa, uma espécie de relicário, cheinha de versos melosos batatinha-quando-nesce, que um dia uma outra Carolina escreveu. entrei pra faculdade de letras e ainda não sabia entender poesia. [será que hoje eu sei?]
e por que queria fazer versos? versos ruins, que deviam, não sei, satisfazer a alguma coisa quase fisiológica do meu corpo. versos horríveis, mas já tive quem os lesse, quem me questionasse sobre eles, sobre como andava a minha produção. e como isso foi fundamental! como tenho gratidão.
mas me incomodava não entender poesia. eu queria entender, por exemplo, a rosa do povo... ao menos a sensação de que algo faz sentido hoje eu tenho. eu pego papéis impressos em versos, e as palavras sussurram pra mim. o sentido se faz. sem que eu percebesse, de repente, tudo ficou claro. será que simplesmente aprendi a ler o que eu quero neles? como na clarice lispector, que só fui entender depois de formada em letras. e será que a leio ou me leio nas palavras dela?
aos dezesseis anos, tentei ler crime e castigo. mas eu era uma jovem feliz demais pra conseguir suportar tanta dor. parei de ler. taí uma opção de leitura pras próximas férias... será que eu consigo?
até que ponto sou eu que escrevo ou leio? até que ponto estas linhas custosas me ajudam a entender tudo isso? [isso que é como uma reconstituição do que eu pensava pelas seis da tarde, rumo ao pão meu de cada dia]. até que ponto aquela menina sem-noção, que pintava a boca de roxo, usava scarpins vermelhos da irmã e tentava ler dostoiévski, poetisa-desgovernada e apressadamente sedutora, é parte desta que hoje não usa batom, veste tênis nos pés e sorri ao rezar pai-nossos e ave-marias?
[e sorrio com lábios, dentes, gengivas, língua, obturações, piercing, rugas dos olhos, bochechas, covinhas. eu sorrio com com a alma]
e talvez esta Carolina que agora fala seja um delírio de uma mente cansada e um corpo desnutrido.
[ok. ok. não tenho a pretensão de ser definitiva. só fico com um pouco de medo de me sentir tão bem assim, tão leve... o que o cosmo reserva pra mim? como diria woody allen: ficarei paraplégica? por que tanto obnubilamento?]
era pra ser um post cutinho. Carolina com muito sono.
[pensando bem, agora acho que valeu a pena não ter lido durante a viagem. e torço para que nunca alguém invente aquela tal máquina de gravar pensamentos]

domingo, 6 de setembro de 2009

Canção

Quero um dia para chorar.
Mas a vida vai tão depressa!
e é preciso deixar contida
a tristeza, para que a vida,
que acaba quando mal começa,
tenha tempo de se acabar.

(Cecília Meireles)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

joguei tudo no lixo
e taquei fogo.
beijo.