sexta-feira, 25 de junho de 2010

DIÁRIO DE DÓRIS REGINA NOGUEIRA

X

quem resta sou eu: resisto ao passar dos anos, sobrevivendo a mim mesma como um fósforo frio... como uma sacola plástica que insiste em rolar pelas ruas durante as madrugadas escuras, perturbando os sonos sensíveis daqueles que temem as almas surgidas das cinzas... os cadáveres que surgem dos seus sonhos infames, sedentos por um último pulsar de vida que os anime, nem que seja por um lapso: eles não têm nada a perder. 

sim, faz frio aqui na minha casa - a casa aquela das paredes nuas -, mesmo fechadas as janelas de vitrais coloridos, de onde escolho, escondida, espiar meu mundo de agora. mas coloquei, de fora, frente ao sol, margaridas brancas de miolos fortes, moles, amarelo-velho: a cor do meu maior mistério, da covardia mais madura que nasceu em mim. não quero que sejam como eu, pétalas plásticas, miolos mofados, metades esturricadas dos adeuses tantas vezes dados.

o que faço agora? nada de mais, copio letras de músicas cretinas pra treinar caligrafia ou escrevo dóris dóris dóris dóris dóris dóris dezenove vezes no papel, que já acabou, já não me serve mais (pra que tanto acúmulo, meu deus? postais, retratos, cartas, cadernos, sentimentos, cartões, caixas de bom-bons... ao menos são recicláveis!), por isso escrevo agora na pele, porque me dei conta de que também posso ser matéria orgânica, pura, a cada poro aberto e sangrado pelas agulhas. andei regredindo, inclusive. andei escrevendo sobre a pintura das paredes: não queria mais vê-las nuas. pintei-as na espera, escolhi a cor mais púrpura que, coitada, sobrevive hoje desmaiada, quase crua.

1 pitacos:

Edna Hornes disse...

Warning:

Sonho sempre que, de tanto escrever para esperar, as linhas das palavras me levam sempre pro mesmo lugar, aquele que cabe uma pessoa só.