domingo, 29 de novembro de 2009

despetala-me

acordo já despetalada
e algum ruído ronda
as janelas altas da cidade baixa.

deve haver um equívoco
porque me olhas com horror
o mesmíssimo olhar
do meu espelho mudo:
cadê tuas pétalas?

{devo ainda agradecer?
tua cara nua
a perceber o espanto
que sinto sinto sinto}

e tenho de te frustrar:
uma flor de plástico
cujas pétalas ásperas
jamais caem...

então cadê as tuas?

jamais caem, a menos que
que as cortem à navalha
boca lâmina
dente podre
escavado o plástico.

vejo, vês:
sou só miolo
miolo mofado
miolo tosco, inverossímil
azul-cobalto.
plástico queimado
que vira cinza
sem atrativo apetecível.

vai. não te aborreças
com quem só pede.
eu pedi:
despetala-me!
pois não posso suportar
o peso lento
peso eterno de pétalas plásticas.

peço peço peço
te cuida
que o barulho da rua
não são carros, aeronaves
são pássaros dotados de dentes
que escavam
pouco a pouco
quase tão eternamente quanto as próprias pétalas
o plástico duro.

deseternizam-nos assim.
eu sempre peço: é preciso perecer às vezes.
e dói.

1 pitacos:

Sucedeu assim disse...

"não se pode suportar
o peso lento
peso eterno de pétalas plásticas."
adorei,adorei.
gostei de toda metáfora de flores plásticas