domingo, 27 de dezembro de 2009

Do sétimo andar

No alto de um prédio
voam lençóis molhados
de suor,
de um amor que se foi
em valsa previsivelmente
compassada.
Vou na dança
dos lençóis ao vento norte:
secamo-nos ao sol forte
de dezembro,
expulsamos mofos ancestrais
dos tecidos de tramas difíceis,
finas.

Da janela do meu quarto
[onde estou, imparcial]
observo lenta
o branco impessoal
dos passantes
que vejo
e volto-me aos tantos quintais suspensos
do centro da cidade
sem rumores de vocábulos,
qualquer verso imoral
que me tire daqui.
Miro-os: são balanços de elásticos ao vento.

Da janela
risco o vidro
risco e apago o vidro
desenho-me
[lá onde dançam os lençóis de tule]
risco com meu lápis carbono 0.2 feito de madeira reflorestada
[é preciso preservar]
risco, enfim, só pra poder apagar
e ir-me pondo por prazer de pôr-se
cinza, previsível, transparente
em parapeitos suspensos
[pulo? não pulo?]
onde quaisquer não
me vejam
[não me queiram ver].

Apago pra preservar
o vidro [pequeno]
a minha janela insignificante
[em meio a tantas outras jaulas urbanas]
os lençóis caleidoscopicamente
livres ao vento:
tonta, caio
quebro a ponta de carbono
risco o vidro que rasga
os meus punhos secos
os lençóis brancos
do sétimo andar
elastificando-se em sangue
cinza, podre, aguado
dentro de mim.