segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009



leito vazio. ventre vazio. podem pingar gotas de cera, afinal a vela está acesa e eu já nem sinto mais nada que valha a pena. uma dor de queimadura, a essa altura, até que seria bom. a dor do sangramento já me esvaiu por completo, já não sobra espaço, meu corpo amorteceu e caí na imensidão do branco, enfim. [dizem que morrer é branco, posso garantir, no entanto, que é qualquer coisa menos morrer]
acho que era isso o que eu tinha a dizer.




não, não era. sabe, também tenho dificuldades com meias palavras, com metáforas, por isso creio que seja necessário desenhar-te, mas só os fatos, o que sinto não importa um triz. vamos a eles:
lá fora agora há uma tempestade. fato. tempestade de sapos [ou seriam ratos caindo do céu?] e de água e das minhas borboletas roxas que chovem lágrimas de alguém [de quem?]. eu bem que queria que elas viessem chorar aqui dentro, junto comigo, porque tenho certeza de que me consolariam. penso: ainda existe consolação pra mim? algo que fuja ao branco? a propósito, as paredes todas eram verdes, minha túnica era verde e o que eu ouvia também era verde: há alguém que se possa chamar? não. um familiar, um parente? não. o pai do feto? não.
queriam saber: quantos gramas? não sei. quantas carreiras? não sei. quanto foi gasto? não sei. tudo por causa do laudo, nada mudaria o meu quadro [nem tu, caso aparecesses. fato.]. quero que se fodam os laudos, eu realmente não sei, não lembro. me deixa esquecer?
como a senhorita vai pra casa? a senhorita tem casa? vou sozinha, vou a pé [sim, tenho um lar!]. por que não chama o pai do feto [não tens fé?]? não sei do pai do feto, o pai do feto não fala, o pai do feto talvez nem exista, o pai do feto é uma boa pessoa [fato], mas quem sabe tenha havido algum problema. disse a ele que tínhamos um feto, ele disse que era engano: era só um morango. quer o senhor ligar e dizer que, sem querer, eu, Magnólia, vomitei o morango?
[só não se esqueça de dizer que não foi por mal.]

3 pitacos:

Tércio Paparoto disse...

Olá, Carolina:

meu nome é Tércio, tenho 42 anos, sou de Osasco, localizada na Grande São Paulo. Minha área é Letras, na qual atuo. Sou professor do Ensino Médio e de universidades. Escrevo-lhe não só para parabenizá-la pelo texto, mas para dizer-lhe que me vi, que me senti no fluxo desse peso-leveza inconteste de suas palavras. Revi nele outros tantos momentos de minha vida que suas palavras pareceram-me tão minhas.

Parabéns por este texto. Obrigado pelas imagens construídas nele.

Tércio de Abreu Paparoto
(tpaparoto@yahoo.com.br)

boneca cega disse...

te meeeeeeeete com os fãs, hein. pra mim a Carolina é artista e ainda não sabe...

Unknown disse...

quem conversa contigo, como eu já conversei, sabe que tu não precisa de ensaio, de reescrita, para ser assim. Teu talento sai pelos poros! Beijos, te adoro muito!

Ju Grünhäuser