domingo, 25 de abril de 2010

DIÁRIO DE DÓRIS REGINA NOGUEIRA

V


Estive pensando em juntar os cacos... Houve uma vez que quebrei um vaso de cristal, a peça mais linda que eu tinha em casa, que fora presente: caro, raro, original. Quebrei-o por raiva, capricho... eu girava sobre minha própria mente, feito carrossel gigante colorido suntuoso, feito uma roda estúpida que gira e nunca promove adrenalina pra não causar grandes tremores. Mas enfeita. E menti (a quem me fizera tamanha delicadeza) que tudo não passou de mero acidente, tropeço frio no tapete... Fui em busca de um novo enfeite. Antes, guardei os cacos, sabia que algum dia poderia querer ressuscitá-lo (será que sabia?).
Quantas vezes tingi minha boca de vermelho! Fingia não ver o sangue dos cortes dos cacos em meus dedos, concentrando-me nos contornos escarlates desta minha boca que agora implora por teus beijos, refletidos no espelho, nos cristais cujo lugar já não sei mais qual. Quantas vezes estive eu à janela, mesmo fatigada, entregando-me feito rapariga anacrônica à tua espera... Enfeitei meus cabelos com dúzias e dúzias de flores (agora exalando os perfumes podres da morte), variei o penteado, vesti meus melhores trajes e sorri às sombras que de longe avistava! Meu carrossel suntuoso rodou, rodava... entre mil súplicas, trocava de cavalo, girava: não queria mais ser eu, escolhi ser várias. E fracassei no intento, porque sigo e espero a chegada do nosso tempo. Às vezes esperar é o que resta! (dizem que a pressa é inimiga da perfeição... Será? Qual o limite da resignação?) Muitos questionamentos nunca respondidos: e de novo só o tempo diz, devolve as respostas - beijos ou bofetadas - não importa! Acho que algo aprendi na estrada:  beijei o  vento (que nunca pediu nada em troca), senti o sol, que insistia em me acariciar a pele! Cada curva  repentina um arrepio, cada rosa negra que lambi neste caminho trilhado da minha porta à janela um frenesi que me arroxeou os lábios... Os espinhos, acho que os triturei nas lâminas dos meus dentes e os cuspi, antes que me furassem as veias. A chegada, mera consequência.
Até ontem, pensava "Meu tempo passou"... Tinha decidido pôr fora os cacos de um mundo em degradação. Pôr fogo nessa vida art nouveau... mas as palavras correm pela seiva do tronco e se misturam com todas as outras que estiveram ali desde quando broto. As palavras, as tuas e as minhas! Volto à origem, abro a gaveta velha: tiro dali a flor negra com que me enfeito os cabelos, pinto os lábios e as unhas, coro ao sabor do vinho! Abro todas as janelas e te sinto chegar (prometo brincar bastante contigo). Entra, a casa é toda tua... gira, gira comigo no mais belo carrossel de cavalos multicoloridos, ao som de um piano antigo. Valseemos, amor, eu te suplico!

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(em itálico, várias passagens que copiei de textos: j. vizo, karen e camila)

1 pitacos:

Karen Raquel disse...

"...gira comigo no mais belo carrossel de cavalos multicoloridos, ao som de um piano antigo. Valseemos, amor, eu te suplico!"

É puro grito de amor!!!

=)